Desconhecimento em relação à China pode custar caro ao Brasil, dizem especialistas

Mesmo sendo o maior parceiro comercial do Brasil, China é um país relativamente desconhecido por aqui, o que pode prejudicar a relação a longo prazo

A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil. Segundo o Ministério da Economia, no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período de 2020, a corrente de comércio entre os países cresceu 19,5%, e as exportações brasileiras para a China aumentaram 28%. Os números mostram que nem a tensão diplomática esfriou a relação comercial entre os dois países. Apesar da importância da parceria, o Brasil não dá a devida importância a seu maior parceiro, e a China continua sendo um país relativamente desconhecido por aqui. Um desinteresse que pode gerar consequências políticas e econômicas, segundo especialistas que conversaram com A Referência.

Na visão de Pedro Brites, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS e professor da FGV-SP, a falta de conhecimento em relação à China é um “problema estrutural” do Brasil. Segundo ele, existe uma “lacuna de interesse” por parte do poder político brasileiro. “Sempre olhamos muito para a Europa e os EUA, que também são importantes, mas esquecemos de incluir a China na lista de prioridades, assim como a Índia e o resto da Ásia”, disse ele.

Brites afirma que o problema se evidencia no âmbito político. “Fica claro que conhecemos menos da política chinesa do que a China conhece do Brasil. Existem esforços aqui, mas são infinitamente menores que o volume de conhecimento que a China tem sobre o Brasil”, afirma.

Paulo Menechelli, secretário geral do Centro de Estudos Globais da UnB e diretor de pesquisa da rede Observa China, reforça a percepção de que o interesse não é recíproco. “Esse “desconhecimento” sobre a China é extremamente maléfico. Deveríamos saber mais sobre ela. A China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009 e, ainda assim, temos apenas um correspondente [jornalístico] na China, por exemplo”, diz ele, citando o jornalista Marcelo Ninio.

O próprio jornalista vê o desinteresse brasileiro pela China como um problema. “A gente precisa de mais informações e boas análises sobre a China. Caso contrário, continuaremos vendo a desinformação e a sinofobia crescendo no Brasil. Isso diminui as possibilidades de o brasileiro entender o mundo”, disse Ninio à revista LatAm Journalism Review, publicação digital da Universidade do Texas, nos EUA. Ele destaca, porém, que a falha é continental. “Tem também uma repórter cubana. Mas apenas nós dois da América Latina”.

Menechelli cita outro exemplo da discrepância no comportamento dos dois países “O Brasil é sede de 11 Institutos Confúcio e, apesar de o número de estudantes de mandarin estar crescendo, nada se compara às centenas de cursos de graduação em português, por exemplo, oferecidos por lá. O número de falantes é muito maior”, diz ele, lembrando que o governo mineiro chegou a perder o horário da negociação das vacinas com a China por desconhecimento do fuso horário local.

Números da relação comercial

Entre 2007 e 2020, empresas chinesas efetivaram 176 empreendimentos no Brasil, com aportes que somam US$ 66,1 bilhões, segundo informações do Conselho Empresarial Brasil-China (CEDC). Do outro lado, a parceria também é importante, vez que o Brasil, até 2020, recebeu 47% dos investimentos chineses na América do Sul.

“A China não apenas se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, como também tem, ano após ano, aumentado sua participação na pauta de exportação nacional, tomando o lugar dos Estados Unidos e reduzindo o espaço de outros parceiros relevantes, como Argentinae países europeus”, diz um estudo assinado por Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do CEDC.

No ano 2000, a China era o 12º destino das vendas do Brasil para o exterior, com pouco mais de US$ 1 bilhão em vendas contra US$ 13,1 bilhões dos EUA. Hoje, os embarques para a China representam quase um terço de todas as exportações brasileiras, ou 32% do total, e os norte-americanos estão relegados ao segundo posto, com os mesmos 10% que tinham em 2010.

O preço do desconhecimento

Os números não deixa margem à dúvida quanto à importância da China para o Brasil, e vice-versa. E, embora a relação siga inabalável, Brites deixa claro que o desconhecimento tende a trazer prejuízos. “Claro, há um custo econômico, já que essa postura xenofóbica faz com que alguns setores políticos usem o ódio contra a China para mobilizar suas bases de apoio doméstico. Isso gera um desgaste, diminui a prioridade que a China dá ao Brasil, que foi por muitos anos seu parceiro estratégico. Me parece um custo difícil, não há como ignorar a China hoje. E isso é, sim, uma preocupação”.

Para Dingding Chen, professor de relações internacionais da Universidade Jinan, na China, e diretor do think tank Intellisia Institute, a China também tem muito a perder. “Para a China, perdemos muito. Comercialmente, é algo relativamente pequeno diante do significado da relação de longo prazo. Portanto, a China perderia mais. Para o Brasil, é algo mais econômico. Mas, para a China, é algo mais amplo, com o ambiente geral”, disse ele em entrevista ao portal Uol.FacebookTwitterWhatsAppLinkedInEmail

A Referência

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